28 de junho de 2008

Um amor com lágrimas

© Paula Almeida 2006, Coimbra, Quinta das Lágrimas - Fonte dos Amores

“A distância exponencia a saudade. Muitos quilómetros devorados e vários quartos de hotel depois, eis que a solidão se faz anunciar. É entre quatro paredes e em camas onde gostávamos que estivesse mais alguém para servir de objecto da nossa adoração e dos nossos afectos que a saudade nos ataca, sem, no entanto, conseguir quebrar o sentimento de solidão ainda que momentâneo característico de quem passa muito tempo ‘on the road’.

Quinta das Lágrimas, Coimbra: 2ª feira, 1 de Dezembro, 1 hora da manhã: Pouso as malas no quarto de um dos locais mais lindos e com maior significado do país. “Há sítios onde estar acompanhado da solidão é um desperdício completo”. Foi esse o primeiro pensamento que tive quando deparei com tão belo reino de bom gosto e de contida beleza.

Parece que tudo foi feito com um respeito tal pela história do local, que a decoração do espaço apenas faz jus à memória dos mais magníficos dos amantes deste país. Magníficos porque nem mesmo após a morte se separaram. E o seu amor é uma lição para todos nós. Imaginar D. Inês de Castro a ter de amar D. Pedro às escondidas da regente e a pagar pela mais natural das ousadias é tão cruel como imaginar o momento em que os seus carrascos se arrependeram do vil acto que cometeram, ainda que a soldo de quem mais não tinha do que inveja e mesquinhez.

Porque é que o amor tem de ser algo difícil, que tem de ser arrancado do fundo de nós próprios e, por vezes, também de quem gostamos? Porque é que é tão difícil dar conta de que o amor anda ali, por vezes há anos e não se dá por ele... ou então se toma conhecimento da sua presença quando a sua ausência faz sentir as suas marcas? Foi na ausência física de Inês que Pedro melhor percebeu que há amores que duram uma vida e mesmo para além dela. É na ausência do outro que muitas das pessoas se apercebem da falta ou do excesso de amor com que vive(ra)m.

Porque tem de ser assim? O mistério dessa resposta é somente mais um dos que fazem do amor o mais poderoso dos sentimentos. Quem tiver a resposta, será detentor de um dos segredos da Humanidade, quiçá tão quimérico como o amor... perfeito.

Abençoados todos quantos apanharam o comboio do amor a tempo e na companhia de quem mais queriam. D. Pedro e D. Inês de Castro ainda não desceram dele. Com o corpo no Mosteiro de Alcobaça e o coração na Fonte dos Amores, dão a todos os que acreditam no amor mais uma razão para continuarem a tentar ser felizes... mesmo com as Lágrimas que brotam da Quinta. Estejam onde estiverem”.


Escrevi este texto a 3 de Dezembro de 2003, meses depois de ter terminado o meu casamento, num blog que tive e que, como tudo na vida (e, pelos vistos, como o meu próprio casamento), teve o seu tempo. Lembro-me que essa noite foi das mais tormentosas da minha vida, em que questionei todos os meus (des)amores, paixões e (des)afectos, por estar no mesmo espaço em que alguém pagou com a vida a ousadia de querer viver um amor correspondido, mas que era por muitos indesejado. Visitava eu os meus fantasmas quando me dei conta que, apesar de todas as desilusões e perdas, nenhuma dor seria maior que a de Pedro quando perdeu a sua Inês de Castro.

Desde essa noite, tinha voltado somente duas vezes à Quinta das Lágrimas, a última das quais ao fim da tarde de regresso de uma viagem ao Porto com a então namorada, mas foi mesmo de passagem, ao ponto de nem sequer ter entrado no espaço ou de ter tirado uma foto de recordação por lá, mas somente à Igreja de Santa Clara. Lamentei, na altura, ainda que em silêncio, não poder ficar mais tempo, até porque que o Sol já se punha e havia que regressar a Lisboa.

Jurei a mim próprio que lá voltaria porque, desde aquela pernoita no início de Dezembro de 2003, aquele lugar, por tudo o que encerra, de mais belo e mais trágico no amor, se tornou parte da minha essência. Tal como outros se perdem por catedrais e outros templos de culto (mesmo que às vezes não sejam os da sua religião ou, até, religiosos, mas que acabam, por entre propósitos turísticos, por procurar alguma forma de enriquecimento cultural e espiritual, iluminação e inspiração ou, até, expiação), a Quinta das Lágrimas funciona para mim como uma espécie de templo, referencial, claro está. É lá que costumo encontrar o meu Norte, ainda que, depois, talvez por falta do hábito de lá regressar mais amiúde e pelas próprias circunstâncias da vida, feitio ou falta de disciplina ou concentração, acabe por me desviar do rumo.

Voltei lá muito recentemente, sozinho, numa enevoada tarde do início de Fevereiro, como que impelido a deslocar-me lá, como se tivesse sido o alvo de um chamamento. Nem sei se terá sido pela proximidade do Dia dos Namorados, o primeiro em quase dez anos que passaria sem companhia. Ia não sei bem à procura de quê ou de que respostas às perguntas que eu próprio me colocara quando escrevi aquele texto, quiçá inspirado pela bucólica beleza do leito em que me deitara, uma vez mais, sozinho.

Regressei da Fonte dos Amores cheio de pensamentos e dúvidas, mas vim de lá com uma certeza: que amava aquela semi-deusa de longos cabelos dourados mais do que alguma vez amei outra mulher, mesmo tendo tudo acabado da forma abrupta.

Lamento a cada dia que passa nunca lhe ter dito bem alto que a amava com as letras todas e que o fazia até ao olhá-la em silêncio, contemplando a sua beleza nos gestos mais quotidianos, quando me deixava ficar uns passos atrás nos passeios só para apreciar a forma entusiástica como ela explorava caminhos e ruas procurando captar num momento os tesouros que só ela desencantava nas coisas mais prosaicas ou, ainda, quando me deitava depois dela e a beijava nas costas, enroscando-me no seu corpo e pousando a minha mão na sua anca bem delineada, sussurando bem baixinho para não lhe perturbar o sono: “Amo-te muito”. Será que alguma vez ela terá ouvido estas palavras nestas alturas?

Lamento que eventualmente os meus actos nunca a tenham confortado suficientemente nesse sentido. É, infelizmente, na ausência dela que mais tenho a certeza de quanto a amava e do quanto gostarei dela (possa ou não surgir alguém que, entretanto, me cative como ela ainda o consegue), mesmo da forma meio-desajeitada e por vezes sem algum tacto, como quando quase se ouviam cair as lágrimas que teimavam em escorrer-me pela face.

Levara impresso comigo para a Fonte dos Amores aquele texto que escrevera e nele constam perguntas que continua(va)m a assolar o meu pensamento: "Porque é que é tão difícil dar conta de que o amor anda ali, por vezes há anos e não se dá por ele... ou então se toma conhecimento da sua presença quando a sua ausência faz sentir as suas marcas? Foi na ausência física de Inês que Pedro melhor percebeu que há amores que duram uma vida e mesmo para além dela. É na ausência do outro que muitas das pessoas se apercebem da falta ou do excesso de amor com que vive(ra)m".

Da Fonte dos Amores jorram todos os dias lágrimas assim (mas que nunca apagarão tamanhos fogos, apenas os alimentarão, tal como rezam algumas trovas ao vento). Não somente as de Pedro pela partida de Inês ou as desta pela sua finitude, mas as de todos quantos têm a ousadia de amar, mesmo na ausência, seja física, espiritual ou sentimental do alvo dos respectivos afectos.

17 de junho de 2008

Sexo E A Cidade... e algo mais



AVISO: A quem ainda não viu o Sex And The City no cinema e ainda contar ver o filme, é favor não ler esta crónica, sob pena de ficar a saber parte do enredo. E este que vos escreve não quer ser considerado um "spoiler".

Era uma das estreias cinematográficas mais aguardadas do ano. A transposição para o grande ecrã da série televisiva Sex And The City dividia o espaço cultural mediático com o Rock In Rio Lisboa 2008. A confirmar essa ideia, estava o facto de a Visão colocar “Carrie Bradshaw”/Sarah Jessica Parker na capa e, a propósito da estreia do filme nas salas nacionais, falar no “Sexo Forte - O que mudou no comportamento, nas conversas e na cama das mulheres”. Segundo a Visão, que, para tal consultou, entre outras, essa verdadeira especialista em homens de raça lusitana que responde pelo nome de Margarida Rebelo Pinto, as mulheres passaram a ser o “sexo forte”, tão-somente pelo facto de se terem emancipado e finalmente tomarem decisões que, em boa parte dos casos, visam a sua independência. Por aqui se vê a importância que a série passou a ter nas mentalidades das mulheres portuguesas, ao ponto de ajudar a mudá-las e a permitir que, pelo menos algumas, passassem a ter outra atitude perante a vida.

Confesso que não estava à espera de ver o filme tão cedo e muito menos que fosse na noite de estreia. E como tudo tem uma explicação, para que tal se tivesse sucedido, fui inesperadamente convidado por uma pessoa amiga a integrar uma romaria de cerca de 20 personagens (17 das quais mulheres) à sala de cinema mais próxima. E se o artigo da Visão e a crítica ao filme me deixaram curioso quanto ao que esperar, ter constatado “in loco” o quanto a série se tornou querida (principalmente) do público feminino constituiu uma inestimável “experiência sociológica”.

Chegado à zona das bilheteiras, deparei-me com um espectáculo de entusiasmo colectivo mais habitual em eventos desportivos ou concertos musicais. A estreia de Sex And The City marcava reencontros de amigas que não se viam há algum tempo, outras que saíram das compras directamente para a sala de cinema, carregadas de sacos e aperaltadas, ansiosas por pôr as tricas em dia, tal e qual as personagens da série agora transposta do pequeno para o grande ecrã.

Questionava-me, durante o filme, sobre as razões que levaram a que a série e, por arrasto, a película tivesse tanto sucesso e a verdade é que uma das explicações que encontrei se prende com a identificação que a generalidade das mulheres urbanas das faixas etárias das personagens sente relativamente a estas, na forma de agir, mas, principalmente, na forma de pensar. Depois, a série e o filme assentam na fortíssima amizade e cumplicidade que as quatro sentiam entre si, mesmo que a vida de cada uma mudasse radicalmente e que a interacção entre elas levasse a divergências ou a situações de maior afastamento/proximidade. E notou-se na sala que muitos grupos de melhores amigas haviam ido em romaria para ver e comentar e as incidências da amizade entre Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda.

Não sendo eu um particular seguidor da série – como diz uma pessoa minha amiga, “mal seria que fosses. Alguma coisa estaria muito errada contigo… ” – e não fazendo parte de uma amizade grupal com laços tão fortes como os das quatro nova-iorquinas, senti-me como um “peixe fora de água” naquela sala de cinema (sensação que também não terá sido estranha à maioria dos cerca de 25 homens ali presentes, perfeitamente abafados pelas cerca de 200 mulheres dominavam a sala). Assim, tinha tanta curiosidade em ver a trama do filme como em tentar compreender certos e determinados comportamentos femininos, fosse no filme, fosse na vida real.

Expectativas? Diga-se, em abono da verdade, não eram muitas. Ou seja, não estava à espera de uma obra prima da sétima arte, mas sim, tal como veio a suceder-se, de mais um episódio da série transposto para o grande ecrã, mas desta vez com acontecimentos (e respectivas consequências) condensados por forma a caberem em quase duas horas e meia de filme. E o filme, diga-se em abono da verdade, teve de tudo: compras de artigos de marca (em dose moderada), casamentos (com o noivo em fuga, algo que, de facto, escapou ao cliché neste género de filmes), novas amizades, bebés, arrufos entre amigos, crises matrimoniais com traições, crises existenciais, conversas menos sérias e outras mesmo bastante sérias. No fundo, tem praticamente tudo o que se pode encontrar na vida das grandes urbes das sociedades ocidentais.

Carrie e Samantha, que são as personagens mais carismáticas entre as quatro consideradas principais (que me perdoem Miranda e Charlotte), passam por aquilo que muitas das mais indefectíveis julgavam não ser possível: a colunista vai finalmente casar com o seu Mr. Big, ao passo que a relações públicas se rendera, entretanto e durante cinco anos, aos encantos da vida em comum com o seu modelo/actor e atravessa uma crise matrimonial/sentimental. No entanto, a vida não é tão simples, pois o ser humano tem o mágico condão de complicar as coisas mais lineares (contra mim falo, por vezes). E é na resolução (ou não) dos problemas que criamos (ou nos criam) que todo o filme gira à volta.

A segunda parte (sim, o filme tinha intervalo quando o fui ver) foi a mais séria e, apesar das esporádicas tiradas de humor, fez muita gente pensar nas suas vidas, naquilo que e como queremos, em quem e como queremos, no que fomos perdendo, em quem perdemos ao longo da nossa vida, isto porque, a partir de certa altura, Carrie e Miranda se viram sem os respectivos mais-que-tudo.

Assim, passaram tristes três alturas do ano que toda a maior parte das pessoas considera como festivas: o Natal, Ano Novo e Dia dos Namorados. E nessa altura, os risinhos que se iam ouvindo durante o filme pararam como que por magia.

Eu próprio tentei recordar-me de como passei esses dias. E dei-me conta que me faltou alguma coisa e alguém. E se o Natal passei como de costume com a família, o Ano Novo que desejaria passar em paz, foi passado no Pavilhão Atlântico, num camarim a preparar-me para um espectacular momento de humor transmitido em directo para todo o país (e em que tinha de mostrar uma cara feliz), rodeado de amigos e companheiros do coro do qual faço orgulhosamente parte (e que agora formam uma grande família unida e feliz), mas com a cabeça noutro lado, onde ela estivesse.

O Dia dos Namorados, então, foi o mais estranho dos últimos anos (e não apenas por ter sido o primeiro em nove anos que passei sem cara-metade), pois foi passado a trabalhar, ironicamente no mesmo local em que alguém decidira, meses antes, anunciar o fim de um relacionamento: num estádio de futebol. Depois, até mesmo durante a partida em causa, era relembrado disso: do dia e do local em que me encontrava (“Aproveite a campanha do Dia dos Namorados e ofereça à sua cara metade um bilhete para o próximo jogo…”, podia ouvir-se na instalação sonora do recinto). E tudo me faz recordar ela (mesmo e principalmente naquele local, onde até o futebol já foi melhor).

Regressando a Sex And The City, é claro que tinha de ter um “happy ending” (a gravidez de sucesso de Charlotte, o regresso de Samantha a Nova Iorque e à vida de boémia independente, o reatamento do casamento de Miranda e até o casamento de Carrie com Mr. Big) ou não fosse a adaptação ao cinema de uma série para o “feel good” feminino e onde o mais importante, apesar das reviravoltas da trama, esteve sempre lá: a amizade daquelas quatro mulheres, tão diferentes, mas, simultaneamente, tão iguais e tão cúmplices.

P. S. - E há ainda um excelente desempenho de Jennifer Hudson, que interpreta o papel de assistente pessoal de Carrie e que acaba por encher o filme com um desempenho que só rivaliza com o de Cynthia Nixon (a Miranda).

20 de maio de 2008

Loucas são as noites...




Depois de mais uma noite de sexta-feira em que a opção do serão se situava entre uma ida ao cinema e uma vinda do cinema até casa, a escolha recaiu entre o visionamento doméstico de um filme do circuito alternativo.

Concluída a sessão nocturna e quando esperava que nada mais acontecesse e que acabasse por ser mais uma calma e solitária madrugada, eis que ouve um barulho familiar. Uma amiga, que já não via há meses, mas com quem, afinal, nunca perdera, de alguma forma, o contacto, enviara-lhe um SMS.

“Estás acordado?”. A resposta dele foi afirmativa e levou a um convite: “Queres ir beber um copo? Estou com uma amiga. Mas é só mesmo para beber um copo. Tens cinco minutos para te vestires”. Afinal de contas, pensou ele, a noite ia ser bem diferente das mais recentes. “E onde me levam?”, ripostou ele, com curiosidade. “Vamos a um bar… diferente. Vamos lá beber um copo e trazemos-te a casa.”

Os cinco minutos passaram a dez, tempo suficiente para ele se vestir convenientemente, fazer a barba e sair de casa. Após novo SMS, desta feita a avisar que o carro das convivas já se encontrava à porta, ele desceu. À saída do prédio, teve, no entanto, um encontro imediato com uma vizinha, que fez um comentário de todo inesperado: “Onde vai o vizinho a esta hora, todo bem vestido? Eu acho que nunca o vi assim tão giro, de fato!” Agradecido o elogio, ele respondeu-lhe: “Se quer que lhe diga, nem eu sei muito bem. Fui convidado ali por aquelas duas senhoras, pelo que estou inteiramente nas mãos delas”, completou, com olhar matreiro.

À chegada ao carro, e após a curta apresentação à pessoa que ele não conhecia (ou melhor, tinha-a conhecido cerca de dois anos antes, numa área de serviço a caminho do Sul do país, apresentado pela amiga), eis que recebeu o primeiro elogio da noite: “De cabelo curtinho, de fato e sem gravata… pareces o Mourinho”. Ele sorriu, corou e retorquiu: “Sim, sim… Somos mesmo parecidos. Oh sim… Começando pela conta bancária…”. E depois desta espécie de lamúria, uma delas ripostou: “Não te queixes. Ao menos, és mais novo e também pareces estar em excelente forma”, piscando o olho.

A conversa foi fluindo até que o carro… parou. E qual não foi o espanto dele quando se viu à porta de um conhecido clube de strip da noite lisboeta. Era o tal “bar diferente” que as duas amigas haviam mencionado na SMS. Ele desceu as escadas até ao estabelecimento e só pensava: “Se me dissessem há uma hora que sairia de casa convidado por duas belas mulheres casadas e seria conduzido a um bar de strip, diria que estariam a brincar”.

Mas não. Não era brincadeira e ele estava ali, com duas mulheres, as únicas duas mulheres que não estavam a trabalhar e que, por isso, eram o alvo da cobiça dos restantes homens que lotavam o espaço. Tudo para ele era novidade, quanto mais não fosse porque nunca estivera em espaços assim. Inicialmente, sentaram-se os três numa mesa perto da “passerelle”, mas com uma vista de baixo para cima, uma perspectiva interessante para se reparar em determinados detalhes. Todavia e após os shows de duas bailarinas, mudou-se de mesa, para a parte de fumadores e onde estavam as restantes pessoas, que deitaram um olhar bastante guloso à passagem dos dois belos exemplares do sexo feminino que pareciam a guarda de amazonas do rapaz.

Depois de alguns minutos, eis que uma dançarina se aproxima da mesa. “Apresento-te a Mia, uma dançarina que conhecemos há uns tempos”, disse-lhe uma das amigas. Feitas as apresentações, uma das mulheres passa uns instantes a segredar com Mia, uma nordestina na casa dos 30 anos e com cerca de 1,75 metros de estatura, que, depois, olhou para ele com um olhar e sorrisos maliciosos, algo que o fez pressentir que alguma coisa de… diferente ia acontecer.

Entretanto, ele recebera uma mensagem no telemóvel e preparava-se para responder, quando Mia lhe tirou o telefone da mão e o pousou na mesa. “Gato, você agora não vai precisar disso e vai prestar muita atenção”, disse, com uma voz dengosa. E, sem que desse grande tempo de reacção, sentou-se ao lado dele, começando por acariciar-lhe o cabelo e tirando-lhe o casaco e, logo de seguida, o cinto das calças, o que o levou a pensar: “Mas, afinal, o ‘strip’ aqui é de quem?”.

Deambulava ele por pensamentos existenciais, quando Mia lhe disse: “Isto é só para deixá-lo mais à-vontade”. Ele, entretanto, apoiara as mãos de lado, no fundo do sofá, pois estava ciente tocar na bailarina vai contra as normas de estabelecimentos do género e, porque, ao fazê-lo, não cairia em eventuais tentações. Mesmo ele, que costuma ser muito controlado em situações nas quais, porventura, nem perderia nada em não sê-lo. E tudo isto, tendo passado ele (e a bailarina) a ser o alvo de todas as atenções, começando pelos divertidos olhares das suas amigas e pela inveja dos restantes, os quais, entretanto, viraram os seus olhares da “passerelle”, onde outra dançarina fazia pela vida, embora sem a audiência desejada.

Ele tentava perceber como estava a sala, quando a sua vista passou a estar obstruída… pelo corpo de Mia, a qual, entretanto, começara a dançar em pé, a poucos centímetros da cara dele. Com ele ainda meio em transe, e quase afundado no sofá, como se fosse adiando um contacto físico que, no entanto, sabia ser inevitável, eis que ela sobe com os pés para o sofá e começa a dançar, fazendo o seu sexo roçar ostensivamente e de forma cada vez mais demorada na cara dele.

Pelo canto do olhar, ele confirmara que já ninguém, entretanto, seguia o show da bailarina que dançava estava na “passerelle” e nem mesmo os exercícios no varão ou na argola pareciam cativar os que lhe estavam mais próximos. “Ela vai desfazê-lo”, comentou um dos outros clientes, para o resto dos amigos de uma das mesas mais próximas. E mais espantados ficaram quando a viram pegar no cinto dele, dá-lo para a mão e desafiá-lo, de rabinho a apontar para o tecto: “Quer experimentar?”

Entretanto, a vista desafogara por segundos (não que a mesma não fosse excelente, note-se). Mia estava virada de costas, mas esfregando o seu traseiro na cara dele ao ritmo de “What Goes Around… Comes Around” de Justin Timberlake, enquanto procurava o copo do sumo natural dele para lhe retirar o gelo e colocá-lo boca do coitado do homem, que entretanto passou a ficar com a língua gelada de tanto aguentar um cubo de gelo com a… ponta. Mia volta a virar-se de frente, entorna sumo de laranja sobre o seu peito e segreda-lhe muito rapidamente: “Não quer vir beber seu sumo?”. Acto contínuo, inclina-se para frente, procurando que os seus firmes mamilos encontrassem a língua dele. O que não foi muito difícil. Após mais alguns segundos de carícias e delícias entre seios, a “lap dance” chegou ao fim.

Mia faz sinal que vai vestir-se e retira-se. Entretanto, uma das amigas vira-se para ele e, com um ar malicioso, mas com um tom angelical, pergunta se ”o suminho estava bom?”, ao que ele ripostou. “Estava, pois. Estava tão bom que eu não queria desperdiçar nenhuma gota”. Dois ou três minutos depois, Mia senta-se novamente à mesa e, fazendo questão que as outras duas presentes ouvissem, vira-se para ele, apontando o dedo e comentando: “Gato, você me enganou! Você me enganou!"”

Aí, sinceramente surpreso, por não estar a perceber nada, ele respondeu: "Eu? Mas eu nem sequer lhe disse nada! Se alguém a enganou, não fui eu, foram as senhoras". Mia continuou: "Elas me disseram que era a primeira vez que vinha aqui e que você era um rapaz tímido".

Ele encolheu os ombros e, logo de seguida, uma das amigas segreda-lhe ao ouvido: "A minha amiga disse-lhe isso e, por isso, pediu para que a Mia te arrasasse… e, pelo que vimos, tu é que arrasaste a rapariga e nem levantaste um dedo..." Ele, continuando sem cinto e casaco e de mãos apoiadas no sofá, talvez ansiando por mais momentos assim, limitou-se a encolher os ombros e a sorrir matreiramente. Virando-se para Mia, ele esclareceu-a: “É, de facto, a primeira vez que aqui venho… Se sou tímido ou não… Tenho os meus dias”.

Sem se deter, Mia recomeça as perguntas: "Você é fogo, rapaz... Para tímido, enganou muito bem. Qual é seu signo, mesmo? Deixe adivinhar: É de um signo muito sexual… Será escorpião?". Ele, tentando contornar a pergunta, por não ser propriamente entendido ou fã do tema, retorquiu: "Não sou nada fogo. Eu até tinha a língua gelada... Escorpião? Ora, eu não acredito nessas coisas dos signos… Vocês, mulheres, é que ligam muito a isso".

Mas Mia insistiu: “Não negue. Você é escorpião. Por trás dessa cara de menino, está um gato safado. Olhe que você, para primeira vez, estava muito controlado mesmo... Parecia que tinha muita experiência nestas coisas, com outras mulheres..." Ele sorriu e pensou uns instantes na forma como agradecer o que considerou ser um elogio: “Com mulheres, sim. Nestas coisas, é que não. Mas obrigado... É sempre bom saber que se consegue ter jeito para estas coisas sem usar as mãos”.

Cumpridos uns minutos desta troca de galhardetes, uma das amigas vira-se para ele e diz: “Agora que já tiveste os teus 15 minutos de fama, é a nossa vez. Fica aí e vê as outras raparigas”. E eis que se levanta, juntamente com Mia e a outra amiga e se dirigem as três à zona de privados. Sozinho ali quase cerca de meia-hora, ele bem tentava assimilar o que lhe tinha acontecido nas últimas pouco mais de duas horas e não fosse ter ainda a sua camisa molhada e peganhenta de sumo de laranja, talvez não acreditasse no que estava a viver.

Matutava ele nas suas ideias quando as duas amigas se voltam a sentar à mesa, visivelmente descompostas e com respirações ofegantes. “Foi por terem sido bem mais que 15 minutos de fama que ficaram assim, cansaditas?”, atirou ele. “Calma, deixa-nos recuperar o fôlego…”, respondeu uma delas, ao que ele disparou logo: “… Para…?”. Sem se descoserem, responderam as duas quase em simultâneo: “… te levarmos a casa”.

No regresso a sua casa, ele comenta: “Eu tenho de pagar a minha parte de alguma forma. É o mínimo". Elas ouvem e não respondem. Chegado ao seu bairro, despediram-se, com promessa de novo encontro em breve, e ele subiu. Menos de cinco minutos depois, liga uma delas e diz: "Achamos, que, de facto, podes pagar. Aliás, como te portaste mesmo muito bem, vais pagar". Ele, com o ar mais sério do mundo e com um pensamento inocente, respondeu: "Deixem-me vestir, que já vou ai ter convosco e vamos ao Multibanco, aí no cimo da rua". Ao que, ripostou a outra voz em fundo: "Coitadinho... Se já está despido, vamos poupar-lhe o incómodo de se vestir. Ele lá arranjará forma de pagar”.

Será que ele pagou tudo de uma vez… ou passou a ser uma conta corrente? E terá tudo isto acontecido ou terá sido somente fruto da sua imaginação?

30 de abril de 2008

(N)As Caves do Desejo



Ele julgava que aquela era apenas uma das suas infinitas (mas sempre curtas) viagens de elevador de um prédio com o qual tão bem convive diariamente. É certo que estava (muito bem) acompanhado e que deixara no seu pequeno casulo uma outra companhia… de outros dias e outras horas, mas não aquela, a que o acompanhava para um trajecto que se julgava curto, mas que se veio a revelar tão longo e marcante quanto o tempo que a recordação irá perdurar, mesmo que jamais venha a ser relembrada e, de preferência, repetida e incessantemente reafirmada.

A descida ao recôndito mundo íntimo do outro durou uma hora, tempo suficiente para que os dois se encontrassem na escuridão, deambulassem da forma que quisessem, explorando todos os sentidos e exortando a que os desejos que cada um reprimia se fundissem numa só entidade, porque o mundo é um momento, que naquelas escadas se eternizou. Sempre, naquele momento e naquele espaço recôndito, souberam encontrar o que queriam naquela penúria, onde os vultos apenas se conheceram, por sentidos que não o da visão, ou somente através de um olhar para o qual a luz era, somente, uma condição acessória. Eles viram-se no toque, visitaram partes do outro que nunca haviam conhecido, saciaram parte do desejo, estimulando o paladar, que os guiou, através do sabor e, depois, do tacto, aos seus jardins proibidos.

Ironicamente, o primeiro pensamento dele quando se viu alvo do desejo de quem desejava foi algo como “Não, isto não está a acontecer de novo. Se acontecer como da outra vez, isto pode acabar mal para o meu lado, como da outra vez”. Contudo, esse pensamento ‘durou’ um andar, porque ele, tal como na ocasião anterior e apesar de estar bem lembrado das marcas que esse episódio lhe deixou, sentiu-se alvo do desejo dela. Racionalmente, ele não tinha nenhum motivo para voltar a passar pelo mesmo e, pior do que isso, pela ressaca dessa experiência excelente e que, instantes depois, se esvaneceu como o fumo numa madrugada escura e fria.

Contudo, emocionalmente, ele só voltou a querer que o tempo parasse ali, tal como parara por minutos, meses antes, junto a um rio que, no seu perpétuo movimento, já testemunhou infinitos episódios porventura semelhantes, por entre juras mútuas por várias vicissitudes entretanto desfeitas. Emocionalmente, era a concretização de um sonho, com a mulher que, na maior parte dos dias e das noites lhe povoava os pensamentos… daqueles que ele raramente confessa, talvez por não querer parecer banal ou porque revelá-los, mesmo àquela pessoa, entretanto mais habituada a tratamentos quase surreais da parte dos mais variados “especimens” masculinos, poderia ser somente mais um ‘déjà vu’ que não aquela em causa seria sacrílego.

Emocionalmente, aquela mulher era-lhe… sagrada. Era a tal que, quase dois anos antes, fora por ele colocada num pedestal para brilhar ainda mais do que a estrela com a qual ele a compara. Por isso, tentou sempre lutar contra os chamados ‘pensamentos ímpios’, mas o desejo por ela - por captar a sua atenção ou ser alvo dos seus desejos mais carnais e primários, por tê-la nos seus braços nem que seja somente por instantes – era muito mais forte. Para ele, desde que a conheceu, sempre houve aquela mulher e as outras e talvez isso explique parte da razão pela qual lhe era difícil olhar nos seus olhos esverdeados. E como eles eram belos…

Antes, instantes antes, ele confessara-lhe que, por muito acompanhado que se sentisse, havia sempre uma pessoa que ele procurava, antes de todas as outras, antes de todas aquelas que também o procuravam e que, (só) por isso, quase consumia todos os seus actos e bebia as suas palavras, como se venerasse uma entidade perfeita e, por isso, suprema. Ele confessara-lhe que era com ela com quem ele queria estar… sempre e que só, por vezes, a frustração e algum constrangimento por uma situação anterior o impediam de manifestar algo mais do que o apoio que nunca deixou de expressar (mesmo quando se mostrava crítico sobre atitudes ou actos). Os olhos e o olhar esfíngico, que muitas vezes lhe servem de barreira a invasões indesejadas, passaram a traí-lo com uma impressionantemente cada vez maior regularidade desde que notou o quanto ela o afectava, directa e indirectamente. Daí, que ele já nem fazia questão de escondê-lo.

A verdade é que ela sempre encontrara nele mais um porto de abrigo ou o porto de abrigo, alguém que nunca lhe cobrara nada para além do privilégio da sua companhia, mesmo quando o tempo é escasso (como quase sempre) - por vezes escasso demais para que ele se deleitasse com tudo o que a sua vista nela alcançava ou o que porventura teriam para dizer – e os motivos que os aproximam eram outros que não a vontade de desfrutarem mutuamente de afecto. Primeiro, era e será um amigo e, depois, trata-se de (mais) uma pessoa por quem ela tem um afecto especial e até desejo, mesmo que apenas esporádico. Ele dissera-lhe que seria tudo aquilo que ela quisesse que ele fosse, desde que ela o soubesse estimar, porque ele nunca lhe fora outra coisa que não constante, na sua presença, no seu afecto e mesmo no seu amor, ainda que das mais variadas formas.

Todavia, doía-lhe tanto tê-la na sua atenção (por ter quase a certeza que nunca viria a ser credor de algo mais), mas doer-lhe-ia certamente mais alguma vez ter de partir, somente para não passar pela incandescência própria das reentradas de um vaivém na atmosfera da realidade… terrena e arriscar-se a uma queda dolorosa. “Houston, we have a problem”, dizem por vezes aqueles que se aventuram em danças com estrelas quando regressam ao mundo… real. E, por vezes, é a estrela esse mesmo problema, mas não há lá Houston para ajudar. E quando recorrentemente procura Houston para saber se deva anular todas as missões e procurar novos mundos, que não exerçam aquele magnetismo, volta a ser empurrado para aquela órbita, ficando como mais um satélite, que apenas se mostra no ocaso… das outras luzes.

Ali, não havia luzes e, talvez por isso, ele revelara-se. Escondidos pela cúmplice escuridão estiveram aqueles dois corpos (e respectivos donos), que, por motivações eventualmente diferentes, se desejaram. É certo que qualquer um podia ter acendido uma luz, mesmo que periodicamente esta se apagasse, mas a urgência do desejo tornou a iluminação em algo então dispensável. Depois de todos os entretanto confessados problemas em olhá-la nos olhos (e render-se ou perder o controlo dos seus próprios sentimentos), ele, mais do que nunca, quisera captar o verde dos seus olhos enquanto efemeramente lhe amava o corpo, como se sentisse a necessidade de provar-lhe e reforçar o quanto a desejava e assim ser escutado e correspondido por um coração tormentoso e atormentado. Contudo, prevaleceu a escuridão e a ele apenas lhe restou o privilégio de adorar o seu corpo com os restantes sentidos, tentando imaginar a figura desnudada do objecto do seu desejo, como se de uma estátua de pureza e feições clássicas se tratasse.

Com a penúria do espaço… profundo, ficou nele a ideia de que, se calhar, tudo não tivesse passado de um sonho, não fosse ele ter ficado um odor íntimo na sua mão e uma fragrância cinematográfica no pescoço e de outro alguém entretanto lhe ter comentado com ar malicioso: “Tu foste comer, mas não foi… o jantar”. Mas também esses ‘souvenirs’ se esvaneceriam… com as gotas de água de mais um duche. Aquele que tomara uma hora antes perdera, por momentos de frenética luxúria, toda a actualidade e mandavam as regras da vida em sociedade que o corpo se lavasse de todas as impurezas, mesmo aquelas que ele gostava de manter para se manter inebriado e, assim, mergulhado nos meandros daquela memória. Talvez ele e ela não estivessem fadados para encontros… convencionais (se é que alguma vez os seus encontros foram convencionais, por uma série de vicissitudes, episódios caricatos ou dramáticos). Talvez nunca venham a encontrar-se de outra forma que não em situações quase cronometradas em contagem decrescente e em segredo.

26 de abril de 2008

Um(a) GNR nunca é demais


Melhor que os GNR só mesmo os GNR mais a GNR. Com efeito, o Grupo Novo Rock e a banda sinfónica da Guarda Nacional Republicana ofereceram aos cerca de dez mil espectadores que se deslocaram ao Pavilhão Atlântico um dos mais originais e singulares espectáculos da música portuguesa. E o mínimo que se pode dizer é que não defraudou as expectativas. E este que vos escreve não podia faltar a um evento que, dadas as dificuldades logísticas e de agenda das duas bandas, corre o risco ter sido o único. E foi mesmo único.


O concerto começou com a Banda Sinfónica da Guarda Nacional Republicana a mostrar um tema do seu repertório habitual. Pois dificilmente seriam 115 músicos (entre os quais apenas uma senhora, mais concretamente uma flautista) e respectivo maestro a entrar em palco com o concerto já em andamento. A banda de Rui Reininho apenas momentos depois entrou em cena e logo com um tema dos mais antigos, Espelho Meu. Seguiu-se, porventura, o melhor conseguido arranjo de todos os 17 efectuados por vários maestros e músicos. Popless até com toda a pompa conferida pela Banda Sinfónica da GNR manteve aquela batida insinuantemente sensual, à qual muito ajuda a fantástica letra de Rui Reininho sobre uma menina que sabe que é boa e que por onde passa nem relva cresce. De facto, Popless destacou-se tanto entre as demais canções que foi das que ficaram guardadas para os encores, juntamente com Asas (Eléctricas) talvez precisamente pela mesma razão, e a inevitável Dunas, há muito transformada em “hino” oficioso do trio portuense.


Popless
deu início à série de temas que lançaram o concerto para um público curioso e que se rendeu ao encanto da solenidade do momento sem que o “one man show” Reininho tivesse precisado muito de se aplicar para o conseguir. Aliás, o vocalista pareceu até demasiado sombrio e menos comunicativo do que habitual (excepção feita à dedicatória de Quero Que Tudo Vá Para O Inferno “ao defesa do Fenerbahçe, Roberto Carlos”, por ser homónimo do homem que notabilizou o tema, e a uma ou outra ocasião pontual). Boa parte das expensas ficaram a cargo de Jorge Romão, que se chegava à frente e mesmo ao microfone e se punha aos saltos a puxar pelo público. Mais Vale Nunca, com o seu ritmo contagiante, Pronúncia do Norte pela beleza intrínseca da melodia (e letra) mas sem Isabel Silvestre, Efectivamente e Bellevue, ambos dos tempos em que Rui Reininho, Jorge Romão e Toli César Machado esgotaram o Estádio de Alvalade como cabeças de cartaz, levaram o público ao rubro, também mercê da excelência dos arranjos e das respectivas interpretações.


O clássico Hardcore (1º Escalão), a balada Tirana e o insinuante Dama Ou Tigre constituíram a ponte para o crescendo e apoteose finais. Asas (Eléctricas) reconquistou o público (fantástico momento da secção de sopros da GNR e notáveis solos de guitarra), que começou a saltar com o festivo Sexta-Feira (Um Seu Criado) (“Aqui… e em Portugal continental, pelo menos, durante mais uns momentos é… sexta-feira”, lançou Reininho), manteve-se animado com Sangue Oculto e vibrou ainda mais com Vídeo Maria e Morte Ao Sol (outros dois excelentes arranjos e este último “um dos temas preferidos do nosso maestro”). Quero Que Tudo Vá Para O Inferno e Sub-16 fecharam um concerto onde não foi raro ver os músicos da banda sinfónica da GNR baterem o pé, palmas, abanarem a cabeça ao ritmo dos temas ou mesmo a trautearem as canções.

Dunas
, mesmo com um arranjo que não deixava antever o mais conhecido tema dos GNR, não podia faltar e surgiu como o primeiro dos encores. Popless e Asas (Eléctricas) foram os únicos temas repetidos, mas a excelência dos arranjos e respectivas interpretações tornaram-nos em dois dos melhores momentos da noite.

Mesmo apesar da relativamente estranha apatia de Reininho, tratou-se de um excelente concerto, que não defraudou as expectativas e que, no seu rescaldo, levou o maestro tenente-coronel Jacinto Montezo a mostrar receptividade quanto a um possível alargamento do espectáculo a outros palcos espalhados pelo país e eventualmente com mais temas.
Entretanto, o espectáculo foi gravado pela RTP e será exibido em breve. Estará igualmente disponível no futuro em DVD e CD.


Alinhamento
Espelho Meu
Popless
Mais Vale Nunca
Pronúncia do Norte
Efectivamente
Bellevue
Hardcore (1º Escalão)
Tirana
Dama Ou Tigre
Asas (Eléctricas)
Sexta-Feira (Um Seu Criado)
Sangue Oculto
Vídeo Maria
Morte Ao Sol
Quero Que Tudo Vá Para O Inferno
Sub-16





Encores
Dunas
Popless
Asas (Eléctricas)

18 de abril de 2008

Ser Um GNR (ao quadrado)

foto DN


A vida deste que vos escreve tem passado por momentos tormentosos, mormente desde o final do Verão passado, ao ponto de o terem desviado de duas das suas grandes paixões. Assim, tenho falhado filmes e espectáculos musicais que, em circunstâncias normais, não falharia. Só desta forma se explica nem ter dado pela presença em Lisboa de Mark Knopfler e de, por isso, não ter assistido ao concerto que o ex-Dire Straits deu no Campo Pequeno.

Ao que me informei junto de quem assistiu ao concerto, o mestre das guitarras continua muito colado ao que produziu com os Dire Straits, o que, tendo em conta que se trata de um concerto em nome próprio, não é propriamente correcto, não sendo, no entanto, de todo condenável. Valeria a pena tê-lo assistido, quanto mais não fosse para escutar os maravilhosos sons que as guitarras de Mr. Knopfler produzem.

Mas lá está, as pessoas que o vão ver querem lá saber da carreira a solo de Mark Knopfler, que é de grande qualidade, diga-se em abono da verdade, nomeadamente ao nível das bandas sonoras que compôs [aconselho, por isso, a audição atenta de Screenplaying (Music From The Films ...) e da banda sonora de A Shot At Glory] e que vale, pelo menos, tanto quanta a necessidade de recurso ao espólio dos Dire Straits. E as pessoas não querem saber porque não se dão ao trabalho de a conhecer em profundidade.

Mas, pronto, trata-se de um mal do qual, em bom rigor, Knopfler não é o único a padecer. O mesmo acontece, por exemplo, com Roger Waters, Sting ou com Bryan Ferry, que não passam nos seus concertos sem temas dos Pink Floyd, The Police ou dos Roxy Music, respectivamente (menção honrosa para Peter Gabriel ou Phil Collins, que não cantam temas dos Genesis nos respectivos concertos a solo ou para Eric Clapton). É fácil poder contar com muletas assim. E porquê? Porque as pessoas ouvem as canções com a nostalgia de recordações de situações vividas, em anos de juventude, principalmente. Logo, também é mais provável que as recordações sejam melhores.

Por isso, compreende-se que a qualidade, mesmo que não tivesse sido boa, seria alvo da condescendência de todos quantos lá se deslocaram, dados os “serviços prestados” pelo artista em tempos anteriores. Também porque não é todos os dias que Lisboa é agraciada com a visita de uma das referências musicais dos anos 80 e 90, embora agora a solo, mas sempre com o anexo da discografia da antiga banda.

Este longo intróito serve, no entanto, para indicar que este que aqui escreve pretende retomar o tempo e a disposição perdidas, começando já por sexta-feira, no Pavilhão Atlântico. A maior sala de espectáculos (e outros eventos) de Lisboa será palco de um concerto único que terá como protagonistas uma banda pop rock que decidiu ironicamente roubar a sigla (que viria a tornar-se, entretanto, no seu nome) a uma força da ordem e a banda sinfónica desta.

Curiosamente, a ideia de tal originalidade partiu dos responsáveis dessa instituição, o que pode ser visto como um sinal de abertura ao exterior da menos progressista das forças da ordem, algo que é explicitamente confirmado pelo maestro da GNR, o tenente-coronel Jacinto Montezo (nos seus tempos “áureos” membro do Grupo de Baile, a banda do mítico Patchouly). A relação entre os GNR e a GNR começou por não ser a melhor. Em 1981, o single Sê Um GNR falava no "gordo da GNR" e Jacinto Montezo admite ter sido uma das vozes que se juntou ao coro de críticas contra o Grupo Novo Rock. Mas hoje, "as mentalidades mudaram e a diferença entre os GNR e a GNR estão esclarecidas". Por outro lado, "esta é uma oportunidade para a Guarda Nacional Republicana se abrir à sociedade civil". Montezo é, mesmo, da opinião que "estes são os momentos que dão realmente gozo". Jacinto Montezo explica que tudo se iniciou "há dois anos em Vilar de Mouros" quando foi questionado sobre um desafio que entusiasmasse a banda que dirige. "Lembrei-me que seria interessante trabalhar com eles [GNR] até pela própria sigla e porque há canções que poderiam ser facilmente transpostas", disse.

Os arranjos dos temas ficam a cargo de Mário Laginha, Bernardo Moreira, Filipe Melo, Hugo Novo e Vasco Pearce de Azevedo e estão garantidos temas como Dunas, Bellevue, Sexta-Feira (Um Seu Criado), Quero Que Vá Tudo Para O Inferno ou Video Maria num alinhamento composto por 15 canções.

Assim, é com particular curiosidade que eu (e mais 10 mil pessoas) me deslocarei mais logo ao Parque das Nações para ver como é que a banda sinfónica da GNR (Guarda Nacional Republicana) interagirá com a irreverência do GNR (Grupo Novo Rock) e como soa a música pop-rock lusa com uma banda já de si dona de um som singularmente rico. Toli César Machado fez questão de lembrar que se trata de um concerto único ou de muito difícil repetição, dadas as naturais dificuldades logísticas e de agenda das duas… bandas.

Por uma noite, também eu serei um GNR.

4 de abril de 2008

Melancolia After All This Time

Melencolia (Albrecht Dürer)


E porque um blog também pode ser um espaço de confissões de alguém que, apesar de não revelar directamente o nome, tem consciência que a sua identidade é conhecida de algumas pessoas, aqui fica um desabafo ou um pensamento que, nos últimos tempos, tem assolado a mente deste que vos escreve.

Apesar de eu não ser um grande fã da canção de John Miles entitulada Music, devo reconhecer que os seus primeiros versos retratam bem a influência que a música tem na minha pessoa e, no fundo, na minha vida [“Music was my first love and it will be my last. Music of the future, music of the past”]. Acredito não ser, no entanto, a única pessoa que se deixa influenciar de uma forma quase absoluta por uma melodia, apenas pelos versos ou pelo todo que é uma canção (no caso de ser vocalizada).

Sou da opinião que uma boa canção não necessita apenas que a melodia fique no ouvido, mas, também, que tenha uma boa letra, a qual possa contar uma história, expressar sentimentos, pensamentos... E a verdade é que o sucesso de algumas canções ou de quem as interpreta se deve, em parte, ao que transmitem a quem as ouve. Fazem-nos lembrar algo, sentir algo, imaginar algo que gostaríamos que nos pudesse vir a acontecer, etc…

Serve esta introdução para confessar que quando tento interpretar (sim, reconheço que canto umas coisitas) ou ouvir uma canção de Simon Webbe entitulada After All This Time (cujo videoclip o visitante deste blog poderá visionar clicando no “link” existente lado direito, constante da lista No Meu Leitor ou, mais facilmente, no título da música, neste mesmo parágrafo) sou assolado por uma profunda melancolia. Não tem o ritmo de uma balada, mas não deixa de ser uma canção profundamente triste.

A letra conta a história de uma mulher que, pese embora, tenha saído de um relacionamento [“After all the broken stones that were thrown for no good reason”], com alguma (ou bastante) mágoa [“And though her heart bears the scars, no sign of healing”], ainda ama aquele homem (ou, pelo menos, gosta muito dele), embora não o queira admitir [“inside, she's loving him still after all this time”], por uma variedade de razões (sendo uma das principais o orgulho, pois admiti-lo, para mais, perante o outro ou círculo de conhecimentos comuns, faria com que pudesse perder a face). Ainda assim, sofre muito por dentro, porque ainda gosta dele, mas transmite uma imagem exterior de robustez, de uma mulher forte, orgulhosa [“Learning to barely feel the pain / linger the skin, the less the strain / And though it's really hurting, she ain't breaking, breaking, breaking”].
Ela continua a vê-lo como um rapaz que chegou a fazê-la sentir-se (feliz) como um anjo [“And behind his tired eyes, she sees the boy with his arms wide, who made her feel like an angel”], pese embora ele próprio tenha, no entender dela e segundo o próprio o reconhece, alguns defeitos [“Now he knows, his weakness shows selfish soul, never changing”], ainda assim insuficientes para que ela deixe de gostar dele [“Oh that's why she's loving him still for the rest of her life. She's loving him still for the last of many miles. She's loving him still after all this time”].

Quem não conhece situações como esta, cantada por Simon Webbe (seja exactamente assim, com uma mulher no centro da narrativa, ou na inversa)? Este que vos escreve conhece, pelo menos, uma história assim. Talvez um dia, mesmo que seja depois de muito tempo, essa, tal como todas as histórias semelhantes, venha a ter um final feliz.


"After All This Time"
(Simon Webbe)

After all the broken stones
that were thrown for no good reason,
inside, she's loving him still
after all this time

And though her heart
bears the scars, no sign of healing,
it's all right, she's loving him still
after all this time.

Oh yeah

[Chorus:]
Trying to push the past away,
still waiting for the lights to change.
Try, try for the sake of their pride, pride.
Learning to barely feel the pain,
linger the skin, the less the strain.
And though it's really hurting,
she ain't breaking, breaking, breaking
'cause she's loving him still,
after all this time

Now he knows, his weakness shows
selfish soul, never changing.
That's fine, because she's loving him still
after all this time

And to the outside eye
you see a family getting by.
And it all seems perfect
and that's how she wants it
'cause she's loving him still,
after all this time.

[Chorus]

After all this time...
After all, after all, after all this time

Bones have to grow, and age it shows,
though we try and hide it.
Inside, she's loving him still
after all this time

And behind his tired eyes,
she sees the boy with his arms wide,
who made her feel like an angel.
Oh that's why she's loving him still
for the rest of her life.
She's loving him still
for the last of many miles.
She's loving him still
after all this time