“A distância exponencia a saudade. Muitos quilómetros devorados e vários quartos de hotel depois, eis que a solidão se faz anunciar. É entre quatro paredes e em camas onde gostávamos que estivesse mais alguém para servir de objecto da nossa adoração e dos nossos afectos que a saudade nos ataca, sem, no entanto, conseguir quebrar o sentimento de solidão ainda que momentâneo característico de quem passa muito tempo ‘on the road’.
Quinta das Lágrimas, Coimbra: 2ª feira, 1 de Dezembro, 1 hora da manhã: Pouso as malas no quarto de um dos locais mais lindos e com maior significado do país. “Há sítios onde estar acompanhado da solidão é um desperdício completo”. Foi esse o primeiro pensamento que tive quando deparei com tão belo reino de bom gosto e de contida beleza.
Parece que tudo foi feito com um respeito tal pela história do local, que a decoração do espaço apenas faz jus à memória dos mais magníficos dos amantes deste país. Magníficos porque nem mesmo após a morte se separaram. E o seu amor é uma lição para todos nós. Imaginar D. Inês de Castro a ter de amar D. Pedro às escondidas da regente e a pagar pela mais natural das ousadias é tão cruel como imaginar o momento em que os seus carrascos se arrependeram do vil acto que cometeram, ainda que a soldo de quem mais não tinha do que inveja e mesquinhez.
Porque é que o amor tem de ser algo difícil, que tem de ser arrancado do fundo de nós próprios e, por vezes, também de quem gostamos? Porque é que é tão difícil dar conta de que o amor anda ali, por vezes há anos e não se dá por ele... ou então se toma conhecimento da sua presença quando a sua ausência faz sentir as suas marcas? Foi na ausência física de Inês que Pedro melhor percebeu que há amores que duram uma vida e mesmo para além dela. É na ausência do outro que muitas das pessoas se apercebem da falta ou do excesso de amor com que vive(ra)m.
Porque tem de ser assim? O mistério dessa resposta é somente mais um dos que fazem do amor o mais poderoso dos sentimentos. Quem tiver a resposta, será detentor de um dos segredos da Humanidade, quiçá tão quimérico como o amor... perfeito.
Abençoados todos quantos apanharam o comboio do amor a tempo e na companhia de quem mais queriam. D. Pedro e D. Inês de Castro ainda não desceram dele. Com o corpo no Mosteiro de Alcobaça e o coração na Fonte dos Amores, dão a todos os que acreditam no amor mais uma razão para continuarem a tentar ser felizes... mesmo com as Lágrimas que brotam da Quinta. Estejam onde estiverem”.
Escrevi este texto a 3 de Dezembro de 2003, meses depois de ter terminado o meu casamento, num blog que tive e que, como tudo na vida (e, pelos vistos, como o meu próprio casamento), teve o seu tempo. Lembro-me que essa noite foi das mais tormentosas da minha vida, em que questionei todos os meus (des)amores, paixões e (des)afectos, por estar no mesmo espaço em que alguém pagou com a vida a ousadia de querer viver um amor correspondido, mas que era por muitos indesejado. Visitava eu os meus fantasmas quando me dei conta que, apesar de todas as desilusões e perdas, nenhuma dor seria maior que a de Pedro quando perdeu a sua Inês de Castro.
Desde essa noite, tinha voltado somente duas vezes à Quinta das Lágrimas, a última das quais ao fim da tarde de regresso de uma viagem ao Porto com a então namorada, mas foi mesmo de passagem, ao ponto de nem sequer ter entrado no espaço ou de ter tirado uma foto de recordação por lá, mas somente à Igreja de Santa Clara. Lamentei, na altura, ainda que em silêncio, não poder ficar mais tempo, até porque que o Sol já se punha e havia que regressar a Lisboa.
Jurei a mim próprio que lá voltaria porque, desde aquela pernoita no início de Dezembro de 2003, aquele lugar, por tudo o que encerra, de mais belo e mais trágico no amor, se tornou parte da minha essência. Tal como outros se perdem por catedrais e outros templos de culto (mesmo que às vezes não sejam os da sua religião ou, até, religiosos, mas que acabam, por entre propósitos turísticos, por procurar alguma forma de enriquecimento cultural e espiritual, iluminação e inspiração ou, até, expiação), a Quinta das Lágrimas funciona para mim como uma espécie de templo, referencial, claro está. É lá que costumo encontrar o meu Norte, ainda que, depois, talvez por falta do hábito de lá regressar mais amiúde e pelas próprias circunstâncias da vida, feitio ou falta de disciplina ou concentração, acabe por me desviar do rumo.
Voltei lá muito recentemente, sozinho, numa enevoada tarde do início de Fevereiro, como que impelido a deslocar-me lá, como se tivesse sido o alvo de um chamamento. Nem sei se terá sido pela proximidade do Dia dos Namorados, o primeiro em quase dez anos que passaria sem companhia. Ia não sei bem à procura de quê ou de que respostas às perguntas que eu próprio me colocara quando escrevi aquele texto, quiçá inspirado pela bucólica beleza do leito em que me deitara, uma vez mais, sozinho.
Regressei da Fonte dos Amores cheio de pensamentos e dúvidas, mas vim de lá com uma certeza: que amava aquela semi-deusa de longos cabelos dourados mais do que alguma vez amei outra mulher, mesmo tendo tudo acabado da forma abrupta.
Lamento a cada dia que passa nunca lhe ter dito bem alto que a amava com as letras todas e que o fazia até ao olhá-la em silêncio, contemplando a sua beleza nos gestos mais quotidianos, quando me deixava ficar uns passos atrás nos passeios só para apreciar a forma entusiástica como ela explorava caminhos e ruas procurando captar num momento os tesouros que só ela desencantava nas coisas mais prosaicas ou, ainda, quando me deitava depois dela e a beijava nas costas, enroscando-me no seu corpo e pousando a minha mão na sua anca bem delineada, sussurando bem baixinho para não lhe perturbar o sono: “Amo-te muito”. Será que alguma vez ela terá ouvido estas palavras nestas alturas?
Lamento que eventualmente os meus actos nunca a tenham confortado suficientemente nesse sentido. É, infelizmente, na ausência dela que mais tenho a certeza de quanto a amava e do quanto gostarei dela (possa ou não surgir alguém que, entretanto, me cative como ela ainda o consegue), mesmo da forma meio-desajeitada e por vezes sem algum tacto, como quando quase se ouviam cair as lágrimas que teimavam em escorrer-me pela face.
Levara impresso comigo para a Fonte dos Amores aquele texto que escrevera e nele constam perguntas que continua(va)m a assolar o meu pensamento: "Porque é que é tão difícil dar conta de que o amor anda ali, por vezes há anos e não se dá por ele... ou então se toma conhecimento da sua presença quando a sua ausência faz sentir as suas marcas? Foi na ausência física de Inês que Pedro melhor percebeu que há amores que duram uma vida e mesmo para além dela. É na ausência do outro que muitas das pessoas se apercebem da falta ou do excesso de amor com que vive(ra)m".
Da Fonte dos Amores jorram todos os dias lágrimas assim (mas que nunca apagarão tamanhos fogos, apenas os alimentarão, tal como rezam algumas trovas ao vento). Não somente as de Pedro pela partida de Inês ou as desta pela sua finitude, mas as de todos quantos têm a ousadia de amar, mesmo na ausência, seja física, espiritual ou sentimental do alvo dos respectivos afectos.
Quinta das Lágrimas, Coimbra: 2ª feira, 1 de Dezembro, 1 hora da manhã: Pouso as malas no quarto de um dos locais mais lindos e com maior significado do país. “Há sítios onde estar acompanhado da solidão é um desperdício completo”. Foi esse o primeiro pensamento que tive quando deparei com tão belo reino de bom gosto e de contida beleza.
Parece que tudo foi feito com um respeito tal pela história do local, que a decoração do espaço apenas faz jus à memória dos mais magníficos dos amantes deste país. Magníficos porque nem mesmo após a morte se separaram. E o seu amor é uma lição para todos nós. Imaginar D. Inês de Castro a ter de amar D. Pedro às escondidas da regente e a pagar pela mais natural das ousadias é tão cruel como imaginar o momento em que os seus carrascos se arrependeram do vil acto que cometeram, ainda que a soldo de quem mais não tinha do que inveja e mesquinhez.
Porque é que o amor tem de ser algo difícil, que tem de ser arrancado do fundo de nós próprios e, por vezes, também de quem gostamos? Porque é que é tão difícil dar conta de que o amor anda ali, por vezes há anos e não se dá por ele... ou então se toma conhecimento da sua presença quando a sua ausência faz sentir as suas marcas? Foi na ausência física de Inês que Pedro melhor percebeu que há amores que duram uma vida e mesmo para além dela. É na ausência do outro que muitas das pessoas se apercebem da falta ou do excesso de amor com que vive(ra)m.
Porque tem de ser assim? O mistério dessa resposta é somente mais um dos que fazem do amor o mais poderoso dos sentimentos. Quem tiver a resposta, será detentor de um dos segredos da Humanidade, quiçá tão quimérico como o amor... perfeito.
Abençoados todos quantos apanharam o comboio do amor a tempo e na companhia de quem mais queriam. D. Pedro e D. Inês de Castro ainda não desceram dele. Com o corpo no Mosteiro de Alcobaça e o coração na Fonte dos Amores, dão a todos os que acreditam no amor mais uma razão para continuarem a tentar ser felizes... mesmo com as Lágrimas que brotam da Quinta. Estejam onde estiverem”.
Escrevi este texto a 3 de Dezembro de 2003, meses depois de ter terminado o meu casamento, num blog que tive e que, como tudo na vida (e, pelos vistos, como o meu próprio casamento), teve o seu tempo. Lembro-me que essa noite foi das mais tormentosas da minha vida, em que questionei todos os meus (des)amores, paixões e (des)afectos, por estar no mesmo espaço em que alguém pagou com a vida a ousadia de querer viver um amor correspondido, mas que era por muitos indesejado. Visitava eu os meus fantasmas quando me dei conta que, apesar de todas as desilusões e perdas, nenhuma dor seria maior que a de Pedro quando perdeu a sua Inês de Castro.
Desde essa noite, tinha voltado somente duas vezes à Quinta das Lágrimas, a última das quais ao fim da tarde de regresso de uma viagem ao Porto com a então namorada, mas foi mesmo de passagem, ao ponto de nem sequer ter entrado no espaço ou de ter tirado uma foto de recordação por lá, mas somente à Igreja de Santa Clara. Lamentei, na altura, ainda que em silêncio, não poder ficar mais tempo, até porque que o Sol já se punha e havia que regressar a Lisboa.
Jurei a mim próprio que lá voltaria porque, desde aquela pernoita no início de Dezembro de 2003, aquele lugar, por tudo o que encerra, de mais belo e mais trágico no amor, se tornou parte da minha essência. Tal como outros se perdem por catedrais e outros templos de culto (mesmo que às vezes não sejam os da sua religião ou, até, religiosos, mas que acabam, por entre propósitos turísticos, por procurar alguma forma de enriquecimento cultural e espiritual, iluminação e inspiração ou, até, expiação), a Quinta das Lágrimas funciona para mim como uma espécie de templo, referencial, claro está. É lá que costumo encontrar o meu Norte, ainda que, depois, talvez por falta do hábito de lá regressar mais amiúde e pelas próprias circunstâncias da vida, feitio ou falta de disciplina ou concentração, acabe por me desviar do rumo.
Voltei lá muito recentemente, sozinho, numa enevoada tarde do início de Fevereiro, como que impelido a deslocar-me lá, como se tivesse sido o alvo de um chamamento. Nem sei se terá sido pela proximidade do Dia dos Namorados, o primeiro em quase dez anos que passaria sem companhia. Ia não sei bem à procura de quê ou de que respostas às perguntas que eu próprio me colocara quando escrevi aquele texto, quiçá inspirado pela bucólica beleza do leito em que me deitara, uma vez mais, sozinho.
Regressei da Fonte dos Amores cheio de pensamentos e dúvidas, mas vim de lá com uma certeza: que amava aquela semi-deusa de longos cabelos dourados mais do que alguma vez amei outra mulher, mesmo tendo tudo acabado da forma abrupta.
Lamento a cada dia que passa nunca lhe ter dito bem alto que a amava com as letras todas e que o fazia até ao olhá-la em silêncio, contemplando a sua beleza nos gestos mais quotidianos, quando me deixava ficar uns passos atrás nos passeios só para apreciar a forma entusiástica como ela explorava caminhos e ruas procurando captar num momento os tesouros que só ela desencantava nas coisas mais prosaicas ou, ainda, quando me deitava depois dela e a beijava nas costas, enroscando-me no seu corpo e pousando a minha mão na sua anca bem delineada, sussurando bem baixinho para não lhe perturbar o sono: “Amo-te muito”. Será que alguma vez ela terá ouvido estas palavras nestas alturas?
Lamento que eventualmente os meus actos nunca a tenham confortado suficientemente nesse sentido. É, infelizmente, na ausência dela que mais tenho a certeza de quanto a amava e do quanto gostarei dela (possa ou não surgir alguém que, entretanto, me cative como ela ainda o consegue), mesmo da forma meio-desajeitada e por vezes sem algum tacto, como quando quase se ouviam cair as lágrimas que teimavam em escorrer-me pela face.
Levara impresso comigo para a Fonte dos Amores aquele texto que escrevera e nele constam perguntas que continua(va)m a assolar o meu pensamento: "Porque é que é tão difícil dar conta de que o amor anda ali, por vezes há anos e não se dá por ele... ou então se toma conhecimento da sua presença quando a sua ausência faz sentir as suas marcas? Foi na ausência física de Inês que Pedro melhor percebeu que há amores que duram uma vida e mesmo para além dela. É na ausência do outro que muitas das pessoas se apercebem da falta ou do excesso de amor com que vive(ra)m".
Da Fonte dos Amores jorram todos os dias lágrimas assim (mas que nunca apagarão tamanhos fogos, apenas os alimentarão, tal como rezam algumas trovas ao vento). Não somente as de Pedro pela partida de Inês ou as desta pela sua finitude, mas as de todos quantos têm a ousadia de amar, mesmo na ausência, seja física, espiritual ou sentimental do alvo dos respectivos afectos.